O cinismo legislativo na PEC das Drogas
* Por Gabriel Garcia
* Por Gabriel Garcia
Hoje, dos três poderes da República, o Judiciário - traduzido no STF – é o que possui a credibilidade mais posta em xeque. Motivos não faltam: a aproximação dos julgadores com os julgados; o caráter individualista de uma Corte colegiada; o elevado grau de juridiquês que não ressoa na sociedade civil; as decisões corporativistas, entre tantos outros.
Acontece que, nessa salada de problemas concretos, a classe política está estimulando a repulsa da população pelo Tribunal justamente naquilo que é dever de qualquer Corte Constitucional no mundo democrático: o controle de constitucionalidade.
Como justificativa, apontam que o STF está com muitos poderes nas mãos e estão promovendo inovações legais como se parlamentares fossem, o que, até um dado limite, têm razão. Contudo, o argumento esconde o cinismo de um blefe político para maior concentração de poder.
O controle de constitucionalidade, em resumo, é quando os juízes revogam uma lei que, para eles, é inconciliável com a Constituição. Naturalmente, essa função se exaspera no preenchimento de lacunas legais que o Congresso não ocupou. Mas, diferentemente do Legislativo, o Tribunal só atua quando provocado a decidir; não decidindo por livre e espontânea vontade de mudar as regras.
Assim o é na votação do RE nº 635.659, em pauta no Supremo desde 2015, que caminhava para declaração de inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas, descriminalizando o consumo pessoal de cannabis.
Mas, na tarde do dia 16/04, o Senado aprovou, em dois turnos e a toque de urgência, a PEC das Drogas que eleva a criminalização da posse e do porte de drogas ao status constitucional.
Para além das inconsistências jurídicas e das consequências nefastas em termos de política criminal, a Proposta se aproveita da fragilidade institucional vivida pelo STF para rendê-lo à submissão parlamentar, cuja ameaça está na possibilidade não imaginada em tempos anteriores de, a qualquer momento, votarem o impeachment de Ministros da Corte.
Sem pudor algum, os Senadores esvaziaram por completo o debate público e não visaram dar efetiva solução para o cenário legal das drogas; apenas jogaram areia na engrenagem do Supremo para se alçarem a detentores da representação pública não afeita a nenhum controle judicial.
A própria exposição de motivos da PEC demonstra a tentativa de fragilização do Supremo quando ocupa três das suas cinco páginas para “dialogar institucionalmente com os demais Poderes da República, de forma harmônica”.
Assim, cinicamente, o Legislativo, “preocupado” com a separação dos Três Poderes, empareda o Judiciário para um ganho de capital político futuro, por ora abstrato, mas que tem como certa a gradual retirada do controle judicial da política das mãos da mais relevante Corte do país.
Apesar de tudo isso, acredita-se que a PEC das Drogas não terá a mesma urgência na Câmara dos Deputados e só foi acelerada no Senado para deixar a cargo de Arthur Lira, o maior emparedador da República, a função de chantagem ao Supremo.
Gabriel Garcia
Gabriel Garcia, advogado criminalista, graduado e especialista em direito pela PUC-PR, sócio-fundador do escritório Pasetti Garcia Advogados.Deixe seu comentário:
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